Camadas
Há alguns anos o meu tema favorito era amor platônico. Depois de um tempo, os amores deixaram de ser platônicos e passaram a ser carnais, reais, de carne, osso, tapas e beijos. E então veio a fase da desilusão... E escrevi muito sobre saudosismo, arrependimento, saudade e culpa. Quando realmente me vi por vencida pela rotina, trabalho, casa, filho, cachorro, gato, condomínio, contas e mais contas, resolvi escrever pequenos desabafos chatos e medíocres, que não chegavam aos pés dos sentimentos que me habitavam, que me transbordavam, sentimentos que eu não sabia nomear.
A rotina foi tão esmagadora, brochante e ditadora que eu me perdi, entre papéis, nomes, dados, opiniões, falta de posicionamento e rotina, rotina, rotina... Estilo próprio? Eu nem mais sabia quem eu era. Me perdi numa pilha de mediocridades e mesmice comum que mal me reconhecia. Sofri um ataque de si mesmice profunda, e então resolvi que deveria ser igual aos demais, e quando me tornei então igual, mas tão igual, ficou difícil de me achar e eu já não sabia o que era eu e o que eram os outros.
Na busca por me recompor, sem perder o que de bom ganhei nem o que de bom ficou, entre num parafuso para dentro de mim, e então das entranhas, estranhas, emaranhados de tristezas, um punhado de virtudes e muitos bocados de lembranças, doces, amargas, coloridas e perfumadas surgiram. Gostoso saber que as bandeiras que eu levantava viram tatuagens vivas, consegui me tornar aquilo que pregava, mesmo que no meio do caminho da metamorfose, eu tenha tentado fugir várias vezes. Na tentativa de ser igual, fracassei homericamente, e consegui ser diferentemente igual daquilo que me cabia, e no que não cabia, igualmente diferente.
Pena que alguns amigos, pilares, resolveram desistir no meio do caminho... Uns poucos sem-vergonha resolveram rasgar as antigas ideias em trapos para pano de chão, e usaram os próprios hinos como ladainha de chacota, xingamento, vergonhas dos antigos orgulhos; alguns outros mudaram os caminhos e seguiram levando nossas antigas bandeiras para outros ares - esses, de vez em quando, trazem o ar da graça, com experiências salpicadas de saudades e orgulho; e uns poucos e não menos importantes me deixaram sem dar tchau. Esses eu tive vontade de ir buscar pessoalmente, mas eles eram tão malandros, que fecharam a porta por dentro, e não os pude puxar os cabelos. Esses danados partiram cedo demais, e quando me dei conta, tínhamos tantas lembranças, e aprendizados e recordações, que pareciam velhos de muitos e muitos anos... Saudade. Alguém disse que saudade é o amor que fica. E fica. E fica.
Hoje com orgulho eu digo, eu sou eu mesma e as outras, na mesma essência de sempre. Ufa! Sobrevivi. E o show tem que continuar, porque ainda não sei onde umas partes foram parar, o quebra-cabeça está pela metade. Fico tranquila em saber que todas as peças estão ali, só não as sei montar. Tenho tempo, não tenho mais pressa, tenho a vida inteira pra me encontrar.