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domingo, 5 de julho de 2009

Vida de "doutorzinho"!

Vida de estudante de medicina dos últimos anos é bem pior que de presidiário, pode acreditar!
Ahh, virão críticas à comparação, pois que venham; apenas digo, passe uma semana lá no inFernato - internato é o nome correto, mas chamo carinhosamente de infernato - e depois conversamos.

Estou no último ano da faculdade, 11a fase, como chamamos aqui na UFSC. Reinicia a fase de passar pelas áreas de saúde da mulher e saúde da criança, já passei por isso na 9a fase, mas agora além de revisar tudo visto da 9a fase, "temos espaço"(??!) para acompanhar também algumas especialidades.

Meu semestre anterior, 10a fase, acabou faz 1 semana, aí tivemos as longas/duradouras e revitalizantes férias de 1 semana, onde ocorreram as principais reuniões de decisão sobre nossos direitos "humanos" como estudantes de medicina, e retornamos agora para a 11a fase.

Farei uma pausa na descrição do 6o ano para comentar sobre nosso longo período de descanço.

Nessa semana de férias os professores e coordenação do curso marcaram a reunião mais esperada pelos alunos do internato, a reunião que resolveria sobre nosso direito a pós-plantão, sobre provas, TCC , estacionamento e visitas de fim de semana.
Eu sei que os temas são totalmente novos a você, leitor, mas faço questão de explicar todos, um a um, para que possa participar ativamente da formação de um conceito novo sobre a formação do médico brasileiro. Talvez isso ajude a esclarecê-lo sobre algumas figuras médicas conhecidas suas.

A reunião, marcada para o meio da semana das férias permitiu que apenas 1 aluno entrasse e tivesse direito a voto, contra todos os professores (digo contra porque, em geral, eles são contra toda e qualquer reivindicação nossa, esclareço aos poucos).

A maioria dos alunos estava viajando para rever familiares e amigos, afinal de contas, 1 semana é muito pouco para quem trabalha basicamente 61-62horas semanais, e muitas vezes, fora do estado natal. Entramos as 7:30h ou 8:00h (em geral nesses estágios da 11a fase) e saímos as 17h - em alguns deles saímos às 20h, depois dessa maratona diária, ainda temos que ir nos sábados e domingos passar visita, que seria ver os pacientes das enfermarias, prescrever as medicações, pedir exames que faltam e tomar qualquer providências de altas ou óbitos, especialmente se houver muita papelada pra escrever - aí mesmo que sobra pra gente! E ainda, como se já não fosse suficiente escravidão, fazemos quase que semanalmente 1 plantão de 12horas em umas das emergências do hospital - clínica/cirúrgica/pediátrica ou obstétrica/ginecológica. É só fazer as contas, dá até mais horas, mas contei assim porque às vezes nos revezamos e uns vão sábado enquanto outros vão no domingo.

Ah, e é nesse semestre que temos que apresentar o famoso TCC - trabalho de conclusão de curso - no entanto, não existe qualquer espaço de tempo reservado para nós para que possamos confeccionar texto, coletar dados, ou conversar com nosso orientador, a não ser nossa única "tarde livre" que nem sempre é livre, porque dependendo do local onde estamos passando estágio, não é respeitado nosso direito à tarde livre.

Ah! Não recebemos alimentação na universidade, apesar de ficarmos nela o dia todo, nem temos direito a usar os estacionamentos do campus - nossos carros são arrombados enquanto fazemos plantão nas emergências e depois de 12h de trabalho, ainda querem que trabalhemos o dia seguinte, desde de manhã até a noite, sem direito ao pós-plantão - que seria a tarde do dia seguinte ao plantão livre, para nossa recomposição (direito trabalhista que prevê que o funcionário não deve trabalhar mais de 36h sem turno de descanso).

Não recebemos pelo nosso trabalho, nem sempre estamos sendo supervisionados de maneira adequada nas nossas atividades (isso é mesmo formação médica ou transformação médica em desumanos técnicos de medicina???), somos obrigados a trabalhar várias horas, sem períodos de descanso durante a manhã ou a tarde, por exemplo, atendendo freneticamente fichas das emergências, como se as pessoas fossem números a ser eliminados; desaprendemos a ser gente, isso num tempo recorde de 6 anos.

Parabéns! Para quem?

Passo as madrugadas lendo material do meu TCC, estudando os casos clínicos dos meus pacientes, revendo conteúdos que tenho dificuldades, no entanto, mal sei o que está acontecendo dentro da minha própria casa. Faz 3 dias que não me olho no espelho. Semana passada estava indo no supermercado, quando percebi que tinha saído do hospital com a roupa do centro cirúrgico, minhas refeições se resumem a cafezinhos e sanduíches que compro no barzinho do hospital pois o almoço em geral, é dentro da biblioteca escondida, em cima de um livro, revendo alguma coisa que a professora implicante resolveu que temos que decorar, apesar desses dados estarem colados no frasco do remédio (escondida, é claro, do tio da biblioteca que já avisou mais de 10 vezes que não pode comer lá!).

Ah, sobre a 11a fase?

Então, resolveram que não precisamos mais ir nos domingos, não comentaram nada sobre nossos pós-plantões - então continuaremos faltando ou dormindo em pé nas tardes seguintes aos plantões; e faremos mais provas escritas nesse período que teoricamente era pra ser só de avaliação prática.

Tempo? Quem precisa dele?

Preciso arrumar um pra ir à casa de fantasias, comprar uma de palhaça pra mim.