As decepções tardam... mas não falham
Como de praxe, venho eu escrever um pouco sobre a minha rotina, afinal de contas, não seria sensato escrever sobre coisas que não conheço.
Estava numa das unidades de saúde em que trabalho quando vejo o burburinho se formar no hall de entrada, olho pela porta e percebo um de meus pacientes, bastante alterado, erguendo as mãos e esbravejando na frente dos demais. Ele reclamava que continuava doente, que os médicos não resolviam nada, que isso era um absurdo! Frases e mais frases, em geral repetindo o que já tinha dito na primeira, intercalando palavrões diferentes em cada uma. A esposa estava ao seu lado, apoiando com uma cara de desaprovação para a recepcionista da unidade.
Acabando a consulta saio da unidade e vou ver do que se trata tamanha bagunça. Chego perto dele, como de costume e ele baixa a os olhos, como se não esperasse que eu fosse chegar tão perto, e esbraveja algumas palavras sem conexão, mais parecendo um animal acuado. Eu coloco a mão no seu ombro e pergunto porque ele está tão chateado, e ele diz - porque me dói tudo doutora!
Descubro que ele estava com um exame de urina para me mostrar, e recidivara um problema que ele vinha tratando já há algum tempo. Converso com ele, explico o que o exame dizia, mas ele não parecia entender muito sobre o que eu falava, como se desconfiasse que eu estava escondendo algo muito sério dele. Eu falo abertamente sobre o problema dele, e me viro em direção ao consultório para buscar o prontuário quando volto a ouvir sua voz, esbravejando, em frente à "platéia".
Percebo que precisaria tirar ele dali para poder chegar mais fundo na sua atenção; no consultório percebo que a semente da discórdia estava na esposa, uma senhora calada e amarga. Ela me olhou com olhos que me fuzilavam e dentro das suas pupilas eu podia ver o ódio e todo o ressentimento que ela tinha nutrido por mim, em segredo, nos últimos 2 meses. Ao abrir sua boca, podia sentir féu e suas palavras vieram em minha direção como cravos, atravessando toda a ternura que eu tinha por ambos, como se fosse poeira. Nada do meu trabalho, dedicação, empenho, favores, explicações, nada tinha lhe tocado o coração. Ela me odiava...
Depois de receber toda sua fúria e mágoa, extremamente surpresa, fiquei sem ação, sem palavras, como se um mal súbito se acometesse dos meus músculos, e eu não conseguia falar... nada.
Ele percebeu minha frustração, e se levantou, o mesmo gesto que tive minutos antes, ele colocou a mão em meu ombro e disse, a senhora pode me explicar, porque eu vou ouvir. Mas eu não conseguia, com os olhos cheios de lágrimas baixei a cabeça e deixei as lágrimas caírem sobre a folha do prontuário.
Ele pensou em sair porta afora atrás da esposa, mas exitou, se virou e falou de novo, eu vou tomar o comprimido comprimidinho então, 2 vezes ao dia. Eu acenei com a cabeça.
Estava acabado.
Eu me sentia humilhada, culpada, inútil. Ele também sabia que os limites ali tinham sido excedidos. Ela caminhava firme corredor afora, satisfeita e cheia de si.
Fiquei por uns 10 minutos apenas chorando, um choro doído e surdo, que apertava a garganta, como se alguém estivesse tentando me sufocar. Depois a próxima paciente veio a porta, estranhando que eu não havia chamado mais ninguém, quando abriu ajoelhou do lado da cadeira e me abraçou dizendo: Meu Deus, tens a idade da minha filha... Eu não podia ouvir muito, nem falar, tinha um nó na garganta e um corte, fundo, na alma.
Fiquei pensando que se talvez eu fosse mais séria, fria, imparcial, altiva atrás da minha mesa, retesa, segura como uma pedra mármore, indiferente e fria aos problemas deles, talvez se eu usasse terno e sapatos, ou se eu fosse superficial e enigmática, como todos os demais costumam ser, como os velhos especialistas são, talvez assim eles dessem "valor" ao que eu faço por eles.
Depois refletindo, cheguei a conclusão que talvez, não.
Naquele dia eu fui embora mais cedo.
Estava numa das unidades de saúde em que trabalho quando vejo o burburinho se formar no hall de entrada, olho pela porta e percebo um de meus pacientes, bastante alterado, erguendo as mãos e esbravejando na frente dos demais. Ele reclamava que continuava doente, que os médicos não resolviam nada, que isso era um absurdo! Frases e mais frases, em geral repetindo o que já tinha dito na primeira, intercalando palavrões diferentes em cada uma. A esposa estava ao seu lado, apoiando com uma cara de desaprovação para a recepcionista da unidade.
Acabando a consulta saio da unidade e vou ver do que se trata tamanha bagunça. Chego perto dele, como de costume e ele baixa a os olhos, como se não esperasse que eu fosse chegar tão perto, e esbraveja algumas palavras sem conexão, mais parecendo um animal acuado. Eu coloco a mão no seu ombro e pergunto porque ele está tão chateado, e ele diz - porque me dói tudo doutora!
Descubro que ele estava com um exame de urina para me mostrar, e recidivara um problema que ele vinha tratando já há algum tempo. Converso com ele, explico o que o exame dizia, mas ele não parecia entender muito sobre o que eu falava, como se desconfiasse que eu estava escondendo algo muito sério dele. Eu falo abertamente sobre o problema dele, e me viro em direção ao consultório para buscar o prontuário quando volto a ouvir sua voz, esbravejando, em frente à "platéia".
Percebo que precisaria tirar ele dali para poder chegar mais fundo na sua atenção; no consultório percebo que a semente da discórdia estava na esposa, uma senhora calada e amarga. Ela me olhou com olhos que me fuzilavam e dentro das suas pupilas eu podia ver o ódio e todo o ressentimento que ela tinha nutrido por mim, em segredo, nos últimos 2 meses. Ao abrir sua boca, podia sentir féu e suas palavras vieram em minha direção como cravos, atravessando toda a ternura que eu tinha por ambos, como se fosse poeira. Nada do meu trabalho, dedicação, empenho, favores, explicações, nada tinha lhe tocado o coração. Ela me odiava...
Depois de receber toda sua fúria e mágoa, extremamente surpresa, fiquei sem ação, sem palavras, como se um mal súbito se acometesse dos meus músculos, e eu não conseguia falar... nada.
Ele percebeu minha frustração, e se levantou, o mesmo gesto que tive minutos antes, ele colocou a mão em meu ombro e disse, a senhora pode me explicar, porque eu vou ouvir. Mas eu não conseguia, com os olhos cheios de lágrimas baixei a cabeça e deixei as lágrimas caírem sobre a folha do prontuário.
Ele pensou em sair porta afora atrás da esposa, mas exitou, se virou e falou de novo, eu vou tomar o comprimido comprimidinho então, 2 vezes ao dia. Eu acenei com a cabeça.
Estava acabado.
Eu me sentia humilhada, culpada, inútil. Ele também sabia que os limites ali tinham sido excedidos. Ela caminhava firme corredor afora, satisfeita e cheia de si.
Fiquei por uns 10 minutos apenas chorando, um choro doído e surdo, que apertava a garganta, como se alguém estivesse tentando me sufocar. Depois a próxima paciente veio a porta, estranhando que eu não havia chamado mais ninguém, quando abriu ajoelhou do lado da cadeira e me abraçou dizendo: Meu Deus, tens a idade da minha filha... Eu não podia ouvir muito, nem falar, tinha um nó na garganta e um corte, fundo, na alma.
Fiquei pensando que se talvez eu fosse mais séria, fria, imparcial, altiva atrás da minha mesa, retesa, segura como uma pedra mármore, indiferente e fria aos problemas deles, talvez se eu usasse terno e sapatos, ou se eu fosse superficial e enigmática, como todos os demais costumam ser, como os velhos especialistas são, talvez assim eles dessem "valor" ao que eu faço por eles.
Depois refletindo, cheguei a conclusão que talvez, não.
Naquele dia eu fui embora mais cedo.
3 Comentários:
July, Julyy... \o/
voltou a escrever moça... que bom... espero que logo volte a escrever textos um pouco mais alegres...como esse aqui por exemplo: http://orebate-julianyluz.blogspot.com/2010/04/um-louco-amor-em-minha-vida.html - ótimo e ainda me pergunto, quem será que era esse louco...ashuahsuhausha
olha só... como comentei via msn, realmente triste a história... mas as pessoas costumam ser assim mesmo, ingratas. Infelizmente temos que ir nos acostumando até para não ficar como tu ficou. E mais importante, saber reconhecer os feitos dos outros e ser gratos, quando reconhecem os nossos...
também já levei algumas "pancadas" na minha curta carreira como jornalista. Mas isso acontece... deixo passar, se vejo que tem algo de construtivo na critica, eu tento melhorar, senão, simplesmente deixo sair pelo outro ouvido e sigo fazendo o que tenho que fazer...
enfim... gostei da dramaticidade dos versos... muito legal... hehehe... tocante, eu diria....
abração moça! =)
e continua escrevendo \o/
Por Mr. Gomelli, às 11 de novembro de 2010 às 19:53
1. Sem querer ser chato, egoísta ou banal... cada um tem a dor que pode suportar. Nós temos a nossas, não é mesmo? Olha, meu anjo... chorar de vez (em sempre) faz bem pro coração (pro espiritual e físico). Somente não te culpes. A culpa é um veneno que demora a ser diluído...
2. Aí! Vc voltou a escrever. Devo eu quebrar meu silêncio também...
Por William Wollinger Brenuvida, às 28 de novembro de 2010 às 15:26
incrivel voce tem um dom divino, parabens, voce eh muito humana
Por Unknown, às 28 de dezembro de 2010 às 17:48
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