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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Menos um companheiro!

O exto abaixo é de uma colega recém formada, que resolveu atuar na atenção primária, mas não conseguiu se manter no cargo... Em momento posterior, comento o exto,
Leiam, é interessnate"
Juliany

Boa Noite

Mando mais uma vez este e-mail como uma versão para ser encaminhada para frente, seja para o e-mail de suas turmas de escola, de faculdade, de estudos, de residência de trabalho, de amigos, qualquer lista de contatos ou quaisquer pessoas que estejam preocupadas com este País. Por quê? Acredito que toda corrupção, tudo que há de errado e que observamos, não devamos ser passivos e esquecer e sim fazer algo a respeito, mesmo que seja na forma de informar outras pessoas que desconhecem a podridão em que vivemos e a forma manipuladora e aculturada em que nossos governantes querem que vivamos. Portanto, solicito que passem para a frente para que possamos divulgar todos os fatos que nos parecem incrédulos, todavia são reais e lamentantes. Obrigada.



Deixo meu trabalho por inúmeros motivos, que prentendo enumerá-los aqui, de maneira mais sumarizada o possível.



Quando comecei a trabalhar em Brusque, estava decidida a fazer medicina da família e trabalhar com Estratégia de Saúde da Família. Durante minha formação na Universidade Federal o carro-chefe sempre foi saúde pública e coletiva, apesar de ser um campo abandonado, subestimado e maltratado quer seja na medicina ou na política. E principalmente tive uma formação predominantemente voltada para o Sistema Único de Saúde. Sempre admirei esse sistema, apesar de inoperante, como costumava dizer um professor meu. Estudei e fiz minha lição de casa direitinho e aprendi e apreendi como esse sistema beirava à perfeição, porém sempre permanecia ignorado pela sociedade brasileira, seja pela elite ou sejam pelos miseráveis, todos meus aculturados compatriotas.



Assumi a Unidade de Saúde da Limeira sem sequer imaginar a magnitude do problema que eu estava resolvendo assumir e aprendi MUITAS lições. Permaneci de agosto a fevereiro na unidade, neste tempo conquistei alguns pacientes, alguns amigos, alguns admiradores e alguns desafetos e desaforos. Durante meu tempo de serviço, eu e a equipe com quem trabalhava atualizamos todo o cadastro de Hiperdia (hipertensos e diabéticos), implantei um controle de psicotrópicos, produzi diversos materiais educativos, realizamos atividades com a escola e a creche que compartilhavam o terreno municipal conosco, fizemos diversos pré-natais, iniciamos com puericultura no bairro (coisa que nunca havia existido antes), realizei diversos procedimentos cirúrgicos e implantamos a agenda médica (coisa que não existia antes, já que o que havia era uma fila de pessoas gladiando-se por uma vaga médica a partir das 4h da madrugada). E claro, como boa aluna, sempre baseando-me nos princípios e diretrizes do SUS: sempre em serviço da universalidade, eqüidade, integralidade, comunidade, descentralização, hierarquização e regionalização... e principalmente inter e multidisciplinarida de. Ainda considerando e complexando proporcionalmente a falta de dinheiro, de recursos humanos, de subsídios, de infra-estrutura e de cultura em que a saúde brasileira precisa sobreviver para não ir à falência. Sempre procurei economizar, seguindo sempre que possível diretrizes e recomendações como da Organização Mundial da Saúde ou do Ministério da Saúde Brasileiro. Obviamente muitas vezes não fui educada, atenta ou empática com meus pacientes, mas sei que estas foram poucas vezes, afinal sou um ser humano com nervos, sentidos e neurotransmissores. Todavia sempre procurei realizar minhas atividades com afinco, dedicação, sensibilidade e capricho. Cumpri meus horários sempre com lealdade e sempre tentei ser companheira de minha equipe.



No entanto, tirei 1 mês de férias (merecidas) e ao voltar soube que não me queriam mais na minha comunidade que tanto tentei zelar... logo lá havia outro médico. E para falar bem a verdade, acho que, provavelmente, nenhum paciente sentiu falta de mim, por mais triste que isso possa parecer. O outro também é médico.



Durante os meses que prestei meu serviço consegui perceber que mulher sofre e mulher jovem sofre mais ainda. Olham-te com desconfiança como se foste uma incapaz. Ou como se foste inseguro e duvidável. Recém-formado também, não deve saber coisa alguma. Imaginei que seria admirada por ser jovem e mulher e por em tão pouco tempo haver subjugado um diploma tão almejado por tantos. Mas padeci do fardo deste título.



Suei muito, ouvi muitos desaforos, sofri muita reprovação. Mas não larguei minha posição, porque em nenhum momento deixei de cumprir meu dever. Sempre fui honesta e fiel aos meus princípios de ética e de minha sensibilidade para com meu próximo. Ao meu ver, Estratégia de Saúde da Família existe para PROMOVER SAÚDE.



Mas aos poucos percebi que a população não queria saúde e o governo local também não tinha muito interesse em realizar esta promoção, essa mudança de paradigmas que ainda existe em Brusque. Lidei com transcrição de receitas, de exames e de idéias. O SUS serve somente como oba-oba. Vou lá tentar usurpar um pouco do governo e pegar algumas "coisinhas" de graça. E esquecem que nada disso é de graça. Nada disso é vantagem. Ainda paradigma de ressonâncias magnéticas, paradigma de check-ups completos, sem me importar se converso com o médico. Pra que ele serve mesmo? Ah, lembrei! Para carimbar minha receita de rivotril e minha requisição de exame de colesterol e de hemograma, mesmo que eu não saiba pra que eles servem, mas eu preciso fazer, pois isso que importa e isso que vai me dizer se estou bem ou não. Em muitas oportunidades, não fui médica... fui burocrata, assinei papéis, preenchi protocolos, condisse com processos de medicações muitas vezes incabíveis e com processos prescindíveis. Médico de serviço público que não serve para nada, não sabe nada e está ali porque não arranjou nada melhor para fazer. Afinal eu não sou candidata a prefeita, não sou médica especialista que digo que sou especialista em muitas outras coisas diversas, não tenho uma clínica bonita e nem minha consulta custa caro. Aliás, meus 6 anos de estudo e meus 20 min de “consulta” custam menos que R$5,00. Nada mais justo...



E apesar de ainda tudo isso, escuto só ordens... ordens e mais ordens. Mandado de quero 3 dias de atestado, encaminhamento para o cardiologista, exames porque quero fazer. Eu sempre achei que tinha estudado e conquistado um diploma para dizer quantos dias uma pessoa deve repousar em casa, se eu acho que não consigo dar conta do recado e preciso de auxílio de colega, saber exatamente quais exames uma pessoa deve fazer e se é que tem que fazer algum exame. Achei que o médico por si só cabia. Afinal, até para ler colesteróis, é preciso interpretação e PRINCIPALMENTE o que fazer com isso tudo. Mas as pessoas, meus suspostos pacientes, não querem conversar comigo, não querem nem me dizer bom-dia, querem só pegar seus papéis carimbados e cair fora. Mesmo que pareça inacreditável, nestes 8 meses de serviço público, poucos agradecimentos ouvi. Sim, meus pacientes não me diziam obrigado, nem sequer se despediam de mim. E eu sempre ouvi dizer que os médicos do sistema público atendiam em menos de 3 minutos, nem olhavam na cara dos pacientes e nem queriam saber de nada, só precisavam assinar suas folhas-pontos e irem embora para seus consultórios com ar condicionado e secretária para fazer suas burocracias.



E se não fosse por isso tudo, o quanto ouvi, o quanto sofri e o quanto chorei por somente tentar educar, por ter estudado e por ter me dedicado para ter noção do que é provavelmente o mais apropriado em saúde, tive ainda que ver que não era isso que meus empregadores queriam de mim. Enquanto eu padecia para ensinar, educar, formar um vínculo, insistir em fazer o certo... apesar de que nem sempre o que seja o melhor para o paciente, seja o que ele queira, embasando-me na medicina de família e comunidade que consegui aprender e compreender em 6 anos de dedicação, ainda havia os meus próprios superiores que não me apoiavam no que eu julgava ser honesto, ético e apropriado.



Queriam números, sorrisos e votos. Quantas ligações recebi para saber porque não havia transcrito receitas, exames, encaminhamentos. Ou por que falei palavras verdadeiras para alguns pacientes. E até mesmo ligações porque fui ética e porque fiz o que achava mais adequado fazer com meus pacientes baseando-me em medicina. A razão sempre é do usuário. Todos temos direitos de nos expressarmos quando descontentes, porém todos devem ser ouvidos e analisados. Voltaire disse uma vez sobre poder não concordar com vossas opiniões, mas sempre defender o direito de lhes expressar-lhes. Todavia, aparentemente, quem tinha razão costumava ser o usuário e principalmente o que grita e espernea mais.



A corrupção começa por baixo, talvez por exemplos embutidos nas mentes de nossa cultura desonesta. Quantos encaminhamentos ou cirurgias vi serem marcados na frente de outros de forma misteriosa pelos fato desses usuários terem ido à prefeitura incomodar, ou terem conversado e “ajeitado” com sicrano ou fulano. Ou quantos funcionários vi não cumprirem horário e a prefeitura fingir que não havia visto?



Até ouvi desaforo de um rapaz de 17 anos machucado por acidente de moto em que ele estava dirigindo, ou seja, infringindo a lei, e ouvi obscenidades por não fornecer um pedido de raio-X para o mesmo até que ele fosse pessoalmente na unidade me dizer o que queria. O que aconteceu? Ao questionar a prefeitura, a própria secretária de saúde esteve na residência do mesmo, concedendo esse privilégio para o infrator fora-da-lei e doou a tal requisição. Passou por cima da minha conduta, passou por cima da ética entre colegas profissionais, passou por cima da MORALIDADE de conceder habilmente direitos que ele NÃO tinha.



Ou ainda o que vi há 2 semanas? O médico prescreve codeína, analgésico opióide de receita controlada, e a farmácia da prefeitura fornece paroxetina por 2 meses, não sei por qual motivo, sem identificação do fornecedor. Obviamente a paciente veio me perguntar por que o médico havia dito que prescreveria remédio e ela estava tomando anti-depressivo!



Vi acidente pérfuro-cortante de profissional da saúde com fonte conhecida em que a Vigilância Sanitária, departamento da Secretaria de Saúde , informar à colega que não havia nada a ser feito. Qual é o cuidado que há conosco, colaboradores da prefeitura? Que protocolo é esse da prefeitura de Brusque em que não existe regra para nada, que não segue recomendações do SUS, do Ministério da Saúde? Sempre imaginei que meu serviço, ou seja, o ESF tinha sido implementado justamente por este último.



Na verdade, os profissionais de saúde com quem eu trabalhava não conheciam saúde coletiva, saúde pública, estratégia de saúde da família, atenção primária, promoção de saúde. E não conheciam por falta de interesse. É ainda algo novo. Velho para alguns, novidade para outros. Porém acredito que falte da prefeitura realizar este compartilhamento de informação, de cultura, de vontade de crescer e todos poderem trabalhar juntos em prol dos mesmos destinos.



Quero trabalhar em um local em que haja saúde, em que haja honestidade, em que haja reconhecimento, em que haja apoio, em que haja respaldo, em que haja segurança, em que haja colegas comprometidos e no mesmo time. E que eu possa respirar aliviada e satisfeita por ser honesta e cumprir meus deveres. Mas em Brusque, os usuários acreditam que têm muitos mais direitos que deveres e a prefeitura muitos mais eleitores que seres humanos que necessitam e pagam caro por saúde e dignidade.



Por favor, encarem todos esses desabafos como uma crítica construtiva de alguém que quer ver todas as partes envolvidas - governo, usuários e profissionais e colaboradores - crescerem juntas e em sintonia. Pois ainda há MUITO o que fazer para crescer e melhorar.





Esta "carta" foi enviada à prefeitura de Brusque, à secretária de saúde da cidade e aos demais encarregados na Secretaria de Saúde e, por incrível que pareça, não obtive NENHUMA resposta em relação a todas minhas queixas, sugestões, denúncias que manifestei.



Meu nome é Marianna Lago, CREMESC 15.538, formada na Universidade Federal de Santa Catarina em julho de 2009.

A prefeitura para a qual eu trabalhava era do Partido dos Trabalhadores (PT), o prefeito da cidade chama-se Paulo Eccel e sua secretária de Saúde Cida Belli.

5 Comentários:

  • Este comentário foi removido pelo autor.

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 28 de abril de 2010 às 20:42  

  • July, july, july... hehehe

    então...como já comentei contigo... gostei do texto da Marianna, porque é um tema realmente importante, mas, infelizmente, é apenas UM exemplo, em um universo de MILHÕES de casos parecidos...

    seja na area da saude, da segurança publica, em qualquer lugar... a corrupção... o famoso "jeitinho brasileiro" está sempre presente e impune...

    é uma pena...e na minha opinião, esperar que isso mude, é de certa forma utópico...e se acontecer uma mudança para melhor, creio que não poderemos usufruí-la...

    enfim... Hasta Luego!

    Abraços do Mr.

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 28 de abril de 2010 às 20:45  

  • Deveria haver um conjunto de matérias na faculdade: "Lidar com pessoas I, II e III".

    Recentemente, precisei ir ao médico e fui tentar no SUS. Para o tratamento com um especialista, precisava de esperar no mínimo um mês, pois só atendia de vez em quando. Para consultar com o clínico geral era uma batalha: a marcação de consulta começava às 7h. Tentei chegar perto deste horário e a fila já estava gigantesca. Desisti, pois teria outros afazeres naquele dia. No outro dia fui mais tarde, na esperança que a fila já estaria menor. Realmente estava, mas porque já haviam preenchido todas as vagas para as consultas, e não marcavam mais para outro dia. Enfim, um dia consegui, após muita espera.

    Para haver a consulta, outra fila. Passei a tarde inteira para ser atendido e em 5 minutos foi-me recomendado fazer um exame e depois, quando levei o resultado, me receitou 4 remédios, nos quais gastei 250 reais para comprar o kit completo. Como não estava vendo resultado após o tratamento, resolvi pagar 100 reais numa consulta particular, para ter um padrao de comparação no diagnóstico. Esse médico disse que não precisava tomar nada daquilo que tava tomando, e iria me recomendar um cirurgião que extrairia o cisto que se encontrava em meu peito. Fui ao cirurgião, pagando mais 50 reais e ele marcou uma cirurgia pra mim, para fazer pelo SUS, uma semana depois. Fui e resolvi o meu problema. Será que, quando eu precisar, ainda voltaria a tentar as consultas pelo SUS? Dificilmente, só em último caso.

    Enfim, muitas vezes as pessoas já chegam indignadas na sala do médico do SUS devido ao longo caminho que percorreram. Podem ser até mal educadas e quererem as coisas rápido, mas uma das causas disso vem das consequências do processo buracrático pelo qual passaram.

    Imagino que seja indispensável para o médico, assim como o professor, advogado, dentista, observar melhor seu "jogo de cintura" para lidar com pessoas. Caso o médico esteja em uma comunidade, penso que seria interessante se integrar a ela, não apenas se imaginar como sendo o "salvador" das pessoas ali, mas interagindo com elas, se considerando um membro da comunidade, bem além da sala de consulta. Aquela pessoa que chega à sua sala não queria estar ali, mas está porque precisa, e deseja rapidamente sair dali e cuidar do árduo trabalho que realiza no seu cotidiano. Como lidar com esta pessoa que está ali contra a sua vontade? Se for um médico novo, moça ou rapaz, não seria natural do paciente uma certa desconfiança com relação a pouca experiência? Afinal estaria lhe entregando sua saúde aos seus cuidados.

    Um professor, na academia, aprende algumas linhas de didática para tornar o aprendizado "mais interessante" para o aluno, pois caso os alunos não estejam prestando atenção na matéria é porque o professor não soube preparar bem sua aula. Mas não se aprende na faculdade a controlar a disciplina em sala de aula. Da necessidade, depois de um intervalo, ao lidar com adolescentes, de um "cala a boca" às vezes, ao invés de "por favor, vocês poderiam fazer silêncio". Qualquer professor de ensino médio sabe o que estou falando.

    Esta moça tem muito conhecimento, coragem e potencial. Tomara que não desista. O interessante é ir se adaptando às manias, desconfianças, carência das pessoas, seja dos chefes ou de seus pacientes, e isso a academia infelizmente não ensina, mas o dia a dia pode ser muito valioso.

    Por Blogger Benito, às 29 de abril de 2010 às 20:33  

  • pois é...

    Por Blogger Zaratustra, às 8 de maio de 2010 às 19:58  

  • concordo com o zaratustra, pois é..., porque ele está na itália, e o problema nosso, ao meu ver, é histórico e muito difícil de ser revertido. muitas coisas ditas pela marianna acontecem em pequenas, médias e grandes cidades. de início achava que era só no interior, mas vi o mesmo em porto alegre, em bento gonçalves, em santo ângelo, e acho que só não vi no Rio e em São Paulo, quando lá estive, pq não precisei. É um problema que envolve todo o sistema, como destacou a marianna. porém, o sistema está completamente contaminado e ainda não inventaram (ou encontraram?) remédio para curá-lo.

    Por Blogger Eduardo, às 24 de maio de 2010 às 12:02  

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